“A primeira abolição não resultou na emancipação econômica e educacional dos libertos.
A segunda é para corrigir esse malogro”.
– Professor Roberto Mangabeira Unger
Hoje, dia 13 de maio, comemoramos o Dia da Abolição da Escravatura no Brasil. Ouso uma provocação: será que temos, de fato, o que “comemorar”? Segundo o pensamento deste filósofo e teórico brasileiro citado acima e segundo dados e fatos recentes, é natural concluir que a abolição não foi o suficiente para emancipar, no âmbito econômico e educacional, os libertos.
É preciso uma segunda abolição. Uma abolição que corrija esse malogro fatal da nossa história. A injustiça racial continua a campear entre nós. E, ao campear, envenena tudo em nossa vida nacional. Negros ganham muitos menos do que brancos. Ocupamos, com grande desproporção, os lugares mais subalternos e humilhantes na sociedade brasileira.
Só a partir dessa correção é que criaremos em nós, os brasileiros de hoje, condições para que o Brasil possa ser útil à humanidade e a si mesmo. Tenhamos claros os problemas, o perigo e a tarefa.
Não, os 129 anos [desde a abolição] não resultaram em um mecanismo igualitário em nossa sociedade, pelo contrário, faz da distribuição desigual de oportunidades o meio de reprodução da injustiça racial. Exemplifico: usar o direito e os tribunais para exigir primeiro das maiores escolas e das maiores empresas e, depois, de empresas e escolas menores que recrutem brasileiros negros e mestiços. E que ajudem, quando necessário, a qualificá-los é uma forma de “abolição”.
A falta de candidatos qualificados está longe de servir como justificativa. Apenas define quão difícil é alcançar as maiores organizações privadas do país.
Uma nova abolição significa uma reconstrução na raiz das instituições e nas suas práticas que impedem o aprofundamento da igualdade de oportunidades. É preciso instrumentalizar as pequenas empresas. Segundo o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), elas representam a maior força do empreendedorismo negro.
Busquemos reformar o modelo institucional das relações entre o trabalho e o capital no interesse da maioria excluída. E oferecer às crianças pobres, negras, talentosas e esforçadas um conjunto de apoios econômicos abrangentes e de oportunidades acadêmicas extraordinárias que lhes permita se transformarem em vanguarda do mérito e abrir caminho para outras.
Um pouco de história
Outros países, antes do Brasil, passaram pelo processo do abolicionismo, movimento político com o intuito de acabar com a escravidão. Dinamarca foi o primeiro país do mundo a abolir a escravidão, seguida por Portugal, França e Reino Unido. No entanto, dos países da América Latina, o Brasil foi o último a abolir a escravidão, em 1888, ficando atrás até de Cuba (1886) e Porto Rico (1873).
E, ainda assim, nossa abolição se deu de maneira gradativa e processual. As leis foram paulatinamente aplicadas. Primeiro, a lei Eusébio de Queirós (1850), que pôs fim ao tráfico de escravos transportados nos “navios negreiros”. A segunda lei, Ventre Livre (1871), a qual libertou a partir daquele ano, as crianças nascidas de mães escravas. Terceira: lei dos Sexagenários (1885), que beneficiou escravos com mais de 65 anos. E, enfim, a promulgação do dia 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, a qual deveria extinguir o trabalho escravo no Brasil.
Destaco as ações do abolicionista, diplomata e historiador Joaquim Nabuco. Foi ele o fundador da Academia Brasileira de Letras e articulador dos ideais antiescravistas. Ele foi considerado o principal representante parlamentar dos abolicionistas, durante a década de 1878 -1888, e responsável pela conquista dos direitos dos escravos.
A luta foi árdua e comprometida, porém, um feito inacabado. Temos nós a responsabilidade de dar continuidade a esta missão. E que ela seja feita em todos os âmbitos da sociedade, desde a cultura dentro das nossas próprias casas, grupos sociais e empresas, até na efetivação e no cumprimento de nossas leis. Ou corrigimos esse malogro ou ele se perpetuará. Façamos a abolição outra vez!
*Albert Silva é coordenador estadual
do PRB Igualdade Racial SP