A polarização dessa discussão deixou de fora o que realmente importa: imunizar a população
De um lado, o governo federal parece seguir cegamente a orientação de seus seguidores das redes sociais, buscando uma vacina que “transmita segurança pela sua origem” e preferindo escolher o caminho do negacionismo. De outro lado, o governo estadual paulista parece estar mais preocupado em usar o imunizante para se promover e já fala em obrigar a aplicação de uma vacina que ainda está em fase de testes, mas que, segundo o governo, “será a vacina do Brasil”. A polarização dessa discussão deixou de fora o que realmente importa: imunizar a população.
A Coronavac, vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Life Science, em parceria com o Instituto Butantan, tem sido tema de discussões acirradas no mundo político e nas redes sociais, mas esse debate totalmente fora de hora só está desgastando a imagem de quem trata o assunto de modo eleitoreiro e tira a credibilidade de uma vacina que ainda está na fase de teste clínico. Ambos os lados precisam de uma dose de lucidez para entender que essa discussão não nos levará a lugar nenhum.
Não é momento de falar em obrigar a população a tomar a vacina, porque a vacina nem mesmo foi aprovada e, além disso, ao obrigarmos a aplicação da vacina, correremos o risco de provocarmos uma rejeição em grade escala. Também é absurdo boicotar a vacina por conta de um preconceito descabido com relação aos produtos vindos da China, e o pior é pensar que esse preconceito foi importado dos EUA; por lá existe uma onda de ‘racismo xenofóbico’, fruto de uma disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo. O Brasil não poderia nem mesmo se dar ao luxo de se envolver nessa disputa comercial, afinal a China é a maior parceira comercial do país e o principal destino das exportações brasileiras.
O atrito gerado por ambos os lados obscureceu e empobreceu o debate sobre a vacina, que não é chinesa ou inglesa, são vacinas desenvolvidas por cientistas e pouco importa a origem delas se elas se mostrarem eficazes durante um complexo processo de validação. Felizmente, as vacinas em teste no Brasil seguem critérios científicos e não políticos, pois estaríamos perdidos se dependêssemos apenas da decisão de nossos governantes. É preciso que saia de cena o ego de grupos ideológicos e políticos, para entrar em cena o conhecimento científico adquirido pela humanidade nos últimos séculos. O excesso de debate ideológico sobre uma questão de saúde pública está confundindo a nossa população.
O Brasil precisa recordar de um episódio não muito distante em nossa história para não cometer o mesmo erro. Em 1904, discordâncias políticas e a falta de uma comunicação eficaz culminaram naquilo que ficaria conhecido como a Revolta da Vacina. Naquele ano, a então capital do Brasil, o Rio de Janeiro, tornou obrigatória a vacinação contra a varíola; mesmo que a vacinação fosse importante para o contexto de saúde pública da época e que o médico sanitarista Oswaldo Cruz tivesse a melhor das intenções, a população foi instigada a se revoltar, pois já estava descontente com a aprovação da lei da vacinação obrigatória e com a invasão de suas residências. Saldo da revolta: 30 mortos, 110 feridos e 945 prisões. Assim como na época, o que falta atualmente é uma comunicação clara sobre a importância da vacina e sobre as etapas científicas relacionadas ao seu desenvolvimento, ou seja, falta falar mais da vacina e menos dos interesses políticos e ideológicos dos governantes.
A vacina é uma conquista civilizatória e o seu desenvolvimento deveria ultrapassar as barreiras ideológicas. Não podemos esquecer que somente uma imunidade coletiva garante o controle do novo coronavírus. Deixemos de lado as discussões inúteis e as implicâncias políticas pelo bem da nossa nação.
*Gilmaci Santos é deputado estadual pelo Republicanos de São Paulo e 1º vice-presidente da Alesp.