A tragédia em Mariana (MG) mostra a irresponsabilidade com que o poder público e as grandes empresas tratam a vida humana e o nosso meio ambiente. O rompimento da barragem (Fundão) da mineradora Samarco que ocorreu no início de novembro trouxe à tona mais uma vez o perigo destas barragens para as populações do entorno e também para a natureza. E o que foi feito? Nada. A inércia do governo federal, dos órgãos responsáveis e até mesmo da opinião pública revolta.
Essa foi nas palavras do biólogo Mário Moscatelli “uma tragédia anunciada”. Segundo o especialista, esse é o preço que se paga quando existem apenas dois ou três para fiscalizar centenas de barragens desse tipo. Moscatelli arrisca dar mais uma má notícia: “essa será uma de tantas outras [tragédias] que virão”. Pessimista o biólogo? Não, apenas realista. Infelizmente, essa tragédia é apenas uma amostra do descaso que o território brasileiro vem sofrendo. Não podemos esquecer que tragédia semelhante, mas em menor grau de devastação, ocorreu em 2003, quando uma barragem de rejeitos industriais se rompeu em Cataguases (MG), espalhando resíduos por 200 quilômetros do Rio Paraíba do Sul, e pouco ou quase nada se fez naquela época.
As barragens de rejeitos são estruturas de terra construídas para armazenar os resíduos de mineração, elas contêm uma mistura de lama, areia e água, lixo que sobra da produção do minério. Atualmente, existem mais de 450 estruturas do tipo no território mineiro, isso de acordo com dados da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).
Nos últimos dias, a Organização das Nações Unidas (ONU) fez duras críticas à resposta do governo, da Vale e da mineradora anglo-australiana BHP ao problema. Representantes da ONU criticaram a demora de três semanas para a divulgação de informações sobre os riscos reais gerados pela lama que desembocou no Rio Doce, já que segundo a organização intergovernamental este não é o momento para posturas defensivas.
É revoltante a falta de preparo do país para lhe dar com esse tipo de situação; faltou recurso humano, infraestrutura e real força de vontade dos órgãos públicos para agir de forma adequada e evitar que a tragédia humana também se transformasse na maior tragédia ambiental do Brasil. Quando as autoridades entenderão que o exercício da proteção ambiental não se dá apenas no licenciamento ambiental?
É evidente que muitas ações poderiam ter sido tomadas para evitar tamanho desastre, já que estudos anteriores mostravam o risco dessas instalações, mas é também irresponsável não ter um plano de contingência, pois é preciso ter estratégias emergenciais para qualquer tipo de acidente, ainda mais problemas desta magnitude. Faço parte do grupo de pessoas que não entende como a lama que demorou mais de 10 dias para alcançar o mar não foi desviada de maneira efetiva para regiões de menor risco ambiental. Esse é um caso de calamidade pública que necessita de todo apoio possível, inclusive internacional, mas o que se viu foi uma sucessão de erros e de falta de interesse de todos os lados.
Os danos ainda são de uma magnitude imensurável, o que sabemos é que a lama matou pessoas e que desceu rio abaixo matando todos os peixes. A lama verdadeiramente matou o Rio Doce, região com uma biodiversidade bem diversificada. O tempo de recuperação ainda é inestimável, sabe-se apenas que se nada for feito o prejuízo ambiental desse ‘tsunami marrom’ pode demorar mais de 100 anos para ser revertido.
Além disso, a lama poderá gerar uma tragédia mundial sem precedentes, segundo o biólogo André Ruschi a foz do rio Doce concentra 83% das algas calcárias da costa brasileira, e elas são um dos principais ‘fixadores’ de gás carbônico da atmosfera, e a chegada da lama ao mar poderia por fim resultar na elevação da temperatura da Terra.
O descaso com a população e com o meio ambiente se repete diariamente, talvez em menor grau, mas tem pouco a pouco ceifado vidas e a nossa biodiversidade. Até quando permitiremos que matem nossa pátria amada?
Deputado estadual Gilmaci Santos