Ano após ano a mesma história, calouros passam por uma espécie de “rito de iniciação acadêmica” para ingressarem em universidades de todo o país, mas não acaba por aí, muitas vezes essas comemorações terminam em verdadeiros desastres, onde jovens são recebidos de maneira violenta a exemplo do que ocorreu recentemente na Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), onde estudantes foram submetidos a situações constrangedoras durante um trote realizado na “Festa do Bicho”.
Um dos alunos da faculdade em questão abandonou o curso por ficar assustado com tanta violência. A Famerp prometeu que irá tomar medidas drásticas e a Polícia Civil irá investigar o caso, mas, infelizmente, esta é uma situação rotineira em muitas universidades, quem não se recorda, por exemplo, da morte do aluno Edison Tsung Chi Hsueh, que, em 1999, se afogou numa piscina durante um trote na Universidade de São Paulo (USP).
Todos os anos ou semestres letivos ouvimos histórias semelhantes que, se não têm um desfecho dramático como o de 1999, provocam marcas físicas e psicológicas em jovens que acabaram de ingressar em uma sonhada graduação. Na verdade a violência nesses trotes já é um problema antigo para boa parte das universidades, e o que era para ser apenas uma iniciação deixa sequelas e pode levar até mesmo a morte. Pensando em combater esses excessos, em 2009, apresentei aqui na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o Projeto de Lei nº 77, que proíbe o trote estudantil aos alunos que ingressam em cursos superiores de todo o Estado de São Paulo.
Além de ter o objetivo de evitar cenas como as da USP e da Famerp, a proposição também determina que os dirigentes das instituições de ensino superior apliquem penalidades administrativas aos estudantes que praticarem o trote, incluindo a expulsão. As universidades precisam discutir abertamente esse problema e criar normas específicas sobre a questão, pois a maior responsabilidade ainda é da instituição.
Especialistas de diversos ramos tentam entender a violência nesse tipo de evento. O pesquisador Antonio Alvaro Zuin tentou analisar a questão, no livro “O Trote na Universidade – Passagem de um Rito de Iniciação”, Zuin retoma reflexões elaboradas por pensadores como Adorno, Freud e Nietzsche para entender a questão. O autor afirma que o trote atual é como mais um rito sadomasoquista de integração. Concordo com essa visão e acredito que por ser, na maioria das vezes, uma forma de rito violento e humilhante, é que essa iniciação deveria ser reinventada, pois é uma forma arcaica que ainda vigora em quase todas as universidades. E não se trata apenas dos trotes violentos, mas daqueles que expõe o calouro a qualquer situação vexatória.
É necessário o incentivo de uma recepção amigável entre veteranos e calouros no início das aulas. Enquanto ainda está em tramitação o projeto que proíbe o trote aqui em São Paulo, outras regiões já aplicaram leis semelhantes, é o caso do Distrito Federal que, desde 2012, proíbe trotes violentos contra estudantes. Em Santa Catarina a violência dos chamados trotes é proibida por lei desde 2010.
Como já disse, são muitos os que defendem o trote, dizendo que esta seria uma forma de socialização dos novatos, mas até que ponto esta tese é completamente verdadeira? A própria palavra carrega um significado negativo, que nos remete ao escárnio, engano ou mesmo ao ato de subjugar alguém. Existe uma linha tênue entre a brincadeira e a humilhação, a iniciação e o rebaixamento moral. Essa é a hora de colocar em questão este costume que, em minha opinião, só serve para afastar o ingressante do que verdadeiramente importa: aprender.
Gilmaci Santos é deputado estadual pelo PRB e líder da bancada na Assembleia.